quarta-feira, 30 de julho de 2014

Copa do mundo

Quem se lembra do evento que criei no Facebook para arrecadar figurinhas da Copa do mundo para os meus aluninhos egípcios?

Fiquei surpresa, foi um sucesso, muito mais do que eu esperava. Criei o evento para ser uma mão na roda, para não precisar fazer repetidamente o mesmo pedido/discurso para todo o amigo que eu encontrasse pelos corredores da faculdade, na carrocinha de cachorro quente ou na sorveteria em Niterói. O intuito era só dizer: "Ei, amigos, comprei um álbum da Copa para dar de presente a um aluno meu do Egito. Me doa um pacotinho de figurinha - ou R$2 para eu comprar um? Não consigo comprar muitos sozinha, me ajuda?". Achei que arrecadaria uns 50 pacotes de uns 25 amigos, talvez. Mas o evento foi compartilhado, visto por quem eu nunca vi na vida, e arrecadei uns 40 álbuns e mais de mil figurinhas (não sei se veio alguma do Neymar... se eu tivesse visto, pegaria para mim, desculpa). Recebi várias mensagens de pessoas dizendo que adorou a minha ideia, que mesmo singela já era uma boa iniciativa de engajamento social... Caramba! Jura, gente? Fiquei feliz com tanto apoio, encorajada. Deu até vontade de criar outro evento no Facebook para levar comida ao Quênia ou Etiópia. Talvez, quem sabe?

Peguei o avião com uns 15kg na minha mala só de doações. Agradeci na época pelo Facebook, mas reitero aqui com sinceridade: Obrigada a todos os que ajudaram, a todos os que curtiram a ideia, a todos os que me apoiaram. Sozinho a gente faz pouco ou quase nada.

O esquema foi esse: eu auxiliava Mrs. Menah nas aulas de inglês. Contávamos uma história à turminha e ao final fazíamos umas brincadeiras para testar se eles compreenderam a história, se absorveram o novo vocabulário. Vi ali uma oportunidade de presenteá-los ao mesmo tempo que encorajava o aprendizado. "Who wants stickers??? But first we will check if you remember the story. Do you remember the story? Can you tell me the story?" E assim foi. Seif vinha à frente e se recontava a história direitinho, ganhava álbum e figurinhas. Time A, time B, vamos testar quem lembra o significado dessas palavras que ouvimos na história. As crianças do time vencedor ganhavam álbuns e figurinhas. Os olhinhos brilhavam de excitação quando viam a minha bolsa plástica de mercado com os pacotes, juro por tudo o que é mais sagrado. Ás vezes rolava uns choros, e eu dava até para quem não ganhou a brincadeira (escondido da professora casca grossa).

Duas vezes por semana, nas aulas de inglês, a turma voltava para casa com a mochila mais pesada de figurinhas do Brasil. Presente que todos vocês deram comigo. Bravo, amigos! Por um mês e meio, no Ramadan muçulmano, fomos todos papais e mamães noeis no Egito. Que exótico! Que bonito!

Adham, o melhor aluno da classe,
levando o álbum embalado carinhosamente pelo Victor Rodrigues,
GIPo da AIESEC Rio

Khadija e Juahreia, as líderes da girls gang,
e inteligentes que só

Johanna, coisa fofa da Miss Naiara

A gang - ao mesmo tempo bagunceira, ao mesmo tempo obediente

Adendo:

Além do meu projeto (conto dele aqui), existem muitos outros sendo desenvolvidos pela AIESEC Alexandria. O Guzour, dos meus amigos Kris e Veronica, é um projeto de marketing, com o intuito de organizar eventos de caridade em orfanatos e áreas pobres da cidade. Bacaníssimo. Não me contentei só com o Teach to Learn e em dar aulas na minha escola, e me juntei a eles em alguns eventos. Eu era uma intrusa, na verdade, mas a galera do projeto me recebeu tão bem que parecia que eu fazia parte do time. Fiz amizades com as meninas egípcias da Academy el Kheir, ONG responsável pelo contato dos intercambistas da AIESEC com os orfanatos, e agora saímos juntas, elas me dão mil caronas, mil informações sobre cultura, uns amores. Nos eventos que participei com eles, distribuí cesta básica a uma família pobre numa village afastada da cidade (similar as nossas favelas), brinquei com meninas órfãs, dancei com dezenas de crianças numa festa que promovemos para o Ramadan... Quase posso dizer que fiz dois projetos aqui, um com crianças de classe média, outro de caridade. Mais um presente, mais um aprendizado.

O fato é que eu ainda tinha uns 15 álbuns de figurinhas aqui comigo e alguns pacotinhos que reservei para eles. Todos os meus alunos já haviam ganhado. Levei comigo nos eventos desse outro projeto e distribuí às crianças carentes. A primeira condição de ser criança é ser criança, e os olhinhos brilharam do mesmo jeito, na escola e no orfanato. Obrigada de novo, Brasil. Como dizia o meu evento no Facebook, vocês me deram figurinhas da Copa do mundo e fizemos crianças egípcias sorrirem. Dezenas. Do alto a baixo. De todas as condições sociais.

Festa para as crianças na village, região carente de Alexandria


Adaptação

Se hoje alguém quiser ler coisas boas sobre o intercâmbio, não vamos fala dos meus primeiros dias.
Mas vamos falar dos meus primeiros dias? :D

Bom, eu odiava tudo. Odiava estar aqui. Odiava as ruas sujas, os prédios caindo aos pedaços, meu apartamento empoeirado. Queria o Rio de Janeiro, minha casa, minha cama, meu irmão. Pensava: "Meu Deus, onde me meti? Vou morrer de tristeza!". Por 10 dias chorei ininterruptamente. Acordava para trabalhar e tomava banho chorando. No final do dia, tomava banho para dormir e chorava mais um pouco. Quando ninguém estava olhando, lá se ia mais choro. Queria falar com todos os amigos o tempo tempo para apaziguar aquela solidão. Queria falar com a família o tempo todo para apaziguar aquela angústia. A hora mais feliz era a hora do Viber. (Deus abençoe o Viber!) Era só ouvir a voz de Andrea, do meu pai, do Magno, do vovô que eu já estremecia e, é claro, abria o berreiro. Daquele doído, do fundo, com soluço, catarro, tudo que eu tinha direito. Que vergonha!

Eu achava que aquilo nunca ia passar, de tão intenso. Seriam 7 semanas querendo voltar para casa todos os dias, aparentemente. Eu me lembro que eu perdia horas olhando para o teto analisando possibilidades de ir embora mais cedo. "Quanto será que custa para adiantar a passagem?", "O que meu pai vai achar disso?", "Ai, não, meu pai vai me matar!", "Mas se eu ficar aqui eu vou morrer!". Segurei as pontas, Brasil! No fundo, eu sabia que eu simplesmente não podia desistir. Não tinha força o suficiente para desistir. Eu quis muito esse intercâmbio, me planejei por meses, envolvi toda a minha família na expectativa da viagem, e depois de 1 ou 2 semanas voltaria de mãos vazias? Sem concluir a minha missão? Queria mais que tudo voltar, mas não queria voltar vencida.




Então fui indo com o vento, Los Hermanos, Whatsapp e Viber. Meu kit salva-vidas. Depois de 15 dias já conseguia nadar sozinha nesse mar mediterrâneo que antes apavorava, e comecei a me esquecer dos Los Hermanos, do Whatsapp, do Viber. Papai (beijo, pai!) me dizia: "Esquece um pouco aqui, vive a sua vida aí, se envolve". Sou obediente, obedeci. Uau! Funcionou!

O problema era que eu cheguei aqui com uma expectativa pisciana! Antes mesmo de desembargar no aeroporto Borg el Arab, o filme do meu intercâmbio já tinha rolado inteiro na minha cabeça, e lá estava eu aplaudindo a exibição de pé, extasiada. Meu trabalho seria incrivelmente incrível, a cama do meu quarto vai ter esse lençol. Minha parede, essas fotos de casa. Os meus novos amigos vão ser divertidíssimos e todo mundo vai me visitar no Brasil em um ou dois anos. As roupas que vou usar são essas coloridas aqui, lá compro mil lenços. Pensei em tudo, porque é isso o que eu faço. Aos pouquinhos fui vendo aquele filme sendo desconstruído, a realidade retirando elementos daquela cena que eu havia orquestrado. Já não era o maestro. Um dia meu aqui, Luiza me mandou um e-mail que me ajudou muito, sobre as leituras dela: "Sidarta dizia algo como, eliminar nossos apegos (desejos, expectativas e autopreservação) é a chave para eliminar as frustrações, que causam o sofrimento". Era isso. Me livrar dos meus apegos construídos no Brasil para parar de sofrer no Egito, para apreciar o Egito. E isso vale para toda uma vida. Faz favor de lembrar, Naiara.




No início eu me agarrava no trabalho com uma força de Sansão, e o fim do expediente era o fim do horizonte. O trabalho e as crianças me distraíam, me mantinham ocupada. Lá pelas três e meia da tarde, era só abrir a porta do apartamento que o pânico me invadia. Mas depois daqueles 10 dias iniciais não precisava contar só com o trabalho. Tudo foi aos pouquinhos ganhando peso, importância. Apreciava as minhas caminhadas, a vista. O grupinho com quem eu comecei a sair toda noite, o nosso santo chá às 2 horas da manhã no café local da minha rua. As meninas com quem eu dividia o quarto. A galera da AIESEC, as pessoas na rua. A independência (me preocupar com a troca do dinheiro, comprar comida no mercado, lavar minhas roupas, ajudar a cuidar sozinha da casa...).

E então comecei a me apaixonar pelo Egito. As duas semanas de choro foram seguidas por três semanas de amor. Justo. Vai ver foi oração da minha avó (beijo, vó), amém. Voltar para casa nem pensar... viver aqui era pura excitação! Voltava da escola e mal tinha tempo para comer e me arrumar, simbora para a rua! Era um tal de pegar um táxi para o parque, pegar um táxi para o shopping, pegar um táxi para o castelo. Aquela alegria de ver uma coisa diferente pela janela do carro, sorriso bobo. 5 pounds cada um nessa corrida, 10 pounds cada um naquela outra cara. Um dia com Tanu, Gianlucca. Outro dia com Carlos, Covee, Kris. Ou talvez Rahwani, Lesley, Shahera. Não pertencia ainda a um grupo, então perambulava em todos, até que era bom. Dormir às 3, 4 da manhã para acordar às 8. 6 horas de sono nunca mais. Os egípcios não dormem, e a gente não dormia como eles.

Todo dia um café, restaurante, bar novo. Todo dia conhecia gente nova. Que coisa maluca! Que coisa maneira! No meu país é assim, no meu país é assado. Como é a pronúncia certa do seu nome mesmo? Esse é impossível, desisti. No meu apartamento não tem água, tem no seu? Como é o seu projeto? Não começou? Tá odiando? Eu to amando, mas é tão cansativo! Fala com Amgad, falou? Avisou seu comitê da AIESEC local? Vai fumar shesha? Pêssego ou melancia? Quem namora quem? A pizza aqui é boa? Esse restaurante é caro? Onde vamos assistir o próximo jogo da Copa? Quando é o do Brasil? Vamos começar a planejar nossa viagem pro Cairo? Você não vai por quê? Rússia, México, Colômbia, Inglaterra, Itália, Índia, China, Grécia, Canadá, Singapura, tinha de tudo.

Por fim, sosseguei. Haja fôlego! Não dá para passar o intercâmbio todo no primeiro carrinho da montanha-russa. Na sexta semana já estava acostumada com os cheiros, os cantos do meu quarteirão. Última semana do projeto, um mix de ansiedade boa e ruim. Já estava cansada (6 horas por dia cuidando de criança e se reunindo à noite com os amigos não é mole não!), mas sabia que ia sentir saudade quando acabasse. Estava estabelecida aqui, meu grupinho era esse - e depois veio a Verônica. O refrigerante perdia gás e virava suco. Viajei para descontrair, acabou sendo o lugar mais incrível que já conheci. Aquele lugar, com aqueles amigos, tudo certo. Estava feliz.

E agora, a sétima semana. A última. A sensação é como estar no limbo, entre um lugar e outro. Ainda estou no Egito, mas olho para a minha experiência como se ela já estivesse na gaveta da memória. Talvez porque não tem mais projeto, os amigos foram embora. Preencho os dias com qualquer coisa, na espera da minha partida. Amanhã talvez viaje por uns dias, talvez não, vamos ver. Me sinto muito conectada com o Brasil, na iminência de voltar ao lar, à rotina. Agora meus pés estão aqui, mas meu coração já foi para casa. Em seis dias meus pés estarão em casa, e meu coração viajará para cá vez e outra. Não sou mais completamente de um lugar só. Minha experiência me rachou, como a Terra em evolução. A América se separou da África, agora continentes diferentes, mas vou comprar pernas de pau e vou sempre pisar nos dois.

domingo, 27 de julho de 2014

Farewell

That's it. Gone. All of them.
Chorei por todos, agora não tem ninguém para chorar por mim. A última a ir embora.
Deixa que eu choro por mim mesma.

buquet (futurista) que a Verônica
me deu antes dela ir embora

SUPER SIZE ME

o que acontece se você toma picolé todo dia?

quinta-feira, 24 de julho de 2014

play hard, work harder

Para quem se pergunta por que eu vim parar aqui
e para os que sabem mas se perguntam se eu estou 
trabalhando mesmo ou só me divertindo




Galera, eu estou trabalhando mesmo! E me divertindo!
A razão deu estar no Egito é o meu intercâmbio voluntário pela AIESEC. AIESEC é a maior instituição de estudantes do mundo. Ela promove intercâmbios sociais e profissionais em prol da troca cultural, desenvolvimento de talentos e espírito de liderança entre os jovens de 18 a 29 anos. O objetivo é ser impactado para impactar o mundo. Ousado. Mas não é que é possível?

Caí no Egito de paraquedas. Nunca sonhei em vir para cá, então eu era sempre pega desprevenida quando alguém exclamava: "Você vai para o Egito? Meu sonho é ir para lá!". Isso aconteceu muitas vezes, e eu sempre rebatia com um "Sério?" meio sem jeito. Comecei a me perguntar por que eu nunca sonhei com esse lugar também...

Paraquedas. Não sabia nada sobre o país, mas só ouvia recomendações boas de quem veio. O projeto estava ali disponível e resolvi arriscar. Que presente! Pousei aqui com 40kg de bagagem e volto mais pesada, cheia de souvenirs e histórias para contar. Expandida. A sensação é que colhi mais do que plantei. Foi por isso que te disse que estou mais feliz do que pinto no lixo. Todas as minhas expectativas foram superadas. Isso não significa que tudo deu certo e que tudo fluiu às mil maravilhas. O projeto não era bem o que eu pensava, o apartamento menos ainda. Nas ruas, poeira, lixo. Chorei como um bebê no início. O que quero dizer é que eu achava que voltaria para casa feliz por ter trabalhado com crianças e conhecido um país novo. Um combo de diversão e fotografias. Mas tem sido mais que isso, muito mais.

Meu projeto se chama Teach to Learn. O objetivo é ensinar inglês para crianças de 5 a 8 anos, assim como passar algo a respeito de cultura brasileira. São seis semanas de projeto, mas comprei por acidente minha passagem de volta para 7 semanas depois. Concluí que poderia reservar a última para passear pelo Egito se papai me desse dinheiro (e ele está dando! Beijo, pai!). O nome da escola onde trabalho é Children's House - Montessory Nursery and Pre-School. Uma casinha charmosa de dois andares, pequena, com 30 alunos, jardim e árvores, a 12 minutos de caminhada da minha casa. Comecei a trabalhar dois dias depois de chegar em Alexandria, e comigo Yen, do Vietnam, e Raveena, da Índia. Yen ficou na turma dos babies, babysitting e fazendo teatro de fantoches em inglês. Raveena ficou responsável por aplicar as atividades Montessory e pelas aulas de zumba. E eu fiquei na turma de inglês, que inclui matemática, ciência e geografia. A que trabalharia mais. Nada mau.

A primeira semana foi de observação, para as crianças se acostumarem com a nossa presença e para aprendermos sobre o método montessoriano. Estava animada! Criança é criança em todo lugar, e a minha vontade era de abraçar uma por uma. Estava encantada! A escola montessori é muito diferente das escolas tradicionais que conheço. Ver as criancinhas, desde os 3 anos de idade, levantando a cadeira para pôr no lugar certo de acordo com a cor, varrendo o chão de sujou, colocando na pia o pratinho, "Miss, tissue", limpando sozinha o nariz que escorre foi surpreendente. A independência, a capacidade de fazer silêncio, o respeito. Abobalhada, só pensava em pedir para meus pais colocarem o meu irmão Arthur numa escola como aquela (Alô, papai! Alô, stepmom! Tem em Niterói!).
E aí a segunda semana começou. Finalmente! Minha animação ainda estava lá, mas foi perdendo potência dia após dia. Fuen! Eu continuava na posição de escanteio, mais observando do que agindo, mais tomando conta do que interagindo. Era a auxiliar. Comecei a ficar entediada e frustrada. Um coágulo de problema.
Tive uma reunião com o coordenador do meu projeto para dar o feedback da segunda semana de trabalho. Expliquei a situação e confiei que ele me ajudaria. A função de coordenador de projeto é essa, ajudar a tornar a minha experiência de trabalho a melhor possível. Ele se reuniu com madame Samar, a diretora da escola, e depois eu mesma me reuni com ela. Éramos, então, 3, pensando numa maneira de potencializar o meu trabalho, não só para mim mas também para benefício das crianças.
Depois disso ganhei mais espaço. Podia conduzir a classe. Memorizei o nome das crianças e elas o meu. Melhorou. E o barco seguiu assim até hoje, meu último dia. Sempre cansativo (6 horas), às vezes excitante, às vezes entediante com a repetição.

Eu vim achando que ia ter mais liberdade com as crianças, e vim equipada! (beijo para a tia Terezinha que me emprestou um bocado de atividades bacanas) Uma mala cheia de tapetes interativos, futebol de pano, sacola mágica, 30 álbuns da copa e mais de mil figurinhas, duas blusas do Brasil como presente, bandeira, granulado para brigadeiro. Sou pisciana, às vezes exagero, sonho alto. Não tive toda a oportunidade que queria porque tive que me adequar à programação da escola, mas de qualquer forma a experiência foi recompensante.

Será que valeu a pena? Vir para um país muito diferente do meu, passando de aeroporto a aeroporto por dois dias até chegar, dividir um apartamento com outras 17 (17 agora!) meninas de diferentes partes do mundo que nunca tinha visto antes na vida, sem saber falar a língua local, sem nenhum amigo ou parente como companhia, gastar milhares de reais, tudo para trabalhar numa escola alternativa para crianças que podem pagar por isso? Com outras milhões passando fome no Quênia e sendo mortas na faixa de Gaza? Valeu, Naiara?

Valeu. Mesmo sendo só crianças, aparentemente pequenas demais para compreender a totalidade das coisas. Mesmo sendo crianças de classe média, como o meu irmão menor. Se o objetivo é impactar a sociedade na qual me disponho a trabalhar, quem melhor do que as próprias crianças para começar a empreitada? É muito mais fácil apresentar coisas novas a elas do que a adultos. Aquela mente maleável como massinha gelada de modelar (não é uma delícia?). Aqueles rostinhos curiosos, tentando entender o porque de uma brasileira, negra, sem veu nos cabelos vir até o Egito dar aula para eles. Absorvendo as diferenças pela convivência, e aprendendo a respeitá-las ao longo das 6 semanas. Tentando entender. Absorvendo. Aprendendo. Tudo aquilo que uma pessoa de 40, 50 anos faz (ou deveria) com mais custo. Crianças, sim.
De classe média? Sim! Aquelas que dispõem das ferramentes para continuar com o processo, fazer dele um círculo vicioso. Cada aluno meu, impactado e expandido com o que eu voluntariamente cedi a ele, no futuro vai dispor (Inshallah!) das ferramentas e oportunidades para impactar e expandir a mente de outras pessoas, tanto da sua própria sociedade quanto de outras mais, se assim desejar. Eu, mulher brasileira de classe média, plantei uma sementinha em quem também vai poder plantar sementinhas um dia, crianças egípcias de classe média. Eu poderia ter sido mais ousada do que fui e ter escolhido um outro país da África mais pobre. Seria muito mais recompensante. Eu veria a diferença na hora, entregando recursos e amor para quem é tão, tão carente de recursos e amor. Mas escolhi algo que não se tratava só de mim, só de recompensa e resultados instantâneos. Escolhi o caminho mais longo, o corredor comprido e sinuoso, meio escuro, meio úmido, às vezes desconfortável, em que você percorre uma maratona antes de avistar a planície, a luz, o horizonte verde. Volto para o Rio de Janeiro em 10 dias, minhas crianças vão continuar em Alexandria. Mas não sou a mesma. Nem eles. Vou continuar minha empreitada em casa, e se a semente deles for regada e crescer, vai dar fruto. Que dá outras sementes. Que dão outros frutos. Que dão outras sementes. Que dão outros frutos...

O meu desejo é que cada criança de quem fui professora seja um indivíduo que saiba lidar com as diferenças, sejam elas quais forem (raciais, étnicas, religiosas, culturais), da melhor maneira possível. Não aquela que suporta, mas a maneira que respeita, ama, e portanto é capaz de dialogar e aprender. Eu respeitei, e eles me respeitaram de volta. Eu amei, e eles me amaram de volta. Dialoguei e aprendi. Eles também. O processo foi iniciado (que alegria fazer parte dele!). No futuro eles vão poder assumir cargos de liderança e serem líderes no completo sentido da palavra, fazendo a diferença na sociedade no seu raio de alcance - grande ou pequeno, não importa. É claro que a criança pobre do Quênia que eu poderia ter prestado trabalho social é capaz de crescer e continuar o meu serviço, impactando a sociedade ao seu redor. Mas os recursos são escassos, senão inexistentes, e a probabilidade é muito menor.

Você enxerga a sementinha ali? Enxerga a roldana se mexendo lentamente? Enxerga com tudo isso a possibilidade de um mundo um pouquinho melhor? Eu enxergo. E por isso não pestanejo quando digo que "sim, o trabalho voluntário com crianças egípcias de classe média valeu a pena". Cada segundo dele: 2.073.600.




Depois da dedicatória no início do texto, meu agradecimento final a Ibrahim Saker. Amigo egípcio que por sua vez está desenvolvendo trabalho no Rio de Janeiro com a AIESEC (dança das cadeiras). Foi ele quem primeiro me contou do valor do trabalho voluntário de qualquer espécie, seja com crianças, seja com pessoas financeiramente estáveis. Agora eu vim, vi e concluí por mim mesma. Obrigada eternamente por me dar um pouquinho da sua força. 




fazendo puzzles

dançando (na linha!)

being silly in the garden


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Músicas do mundo

Há 4 dias atrás eu, Covee, Kris, Vama e Shruti estávamos no carro do Youssif indo fazer um safári no deserto do Saara e ele colocou uma música indiana alta para a gente ouvir. 100km/h, sol a pino, um vento forte entrando pela janela trazendo areia e embaraçando meu cabelo fino, a atmosfera contagiada pela expectativa do passeio, amigos, e aquela música. Gostei tanto. Mais um ponto pra Índia.

Índia

Estou morando aqui há um pouco mais de um mês e ouço música árabe todo santo dia. Toda vez que pegamos um táxi o rádio está ligado, sempre ensurdecedoramente, ou na leitura do Alcorão (leitura cantada, então é música para os ouvidos também) ou numa estação de música. A mais popular em todo país agora é a "Sisi song". Não sei porque é chamada assim e não faço a mínima ideia do que o cantor diz, mas eu gosto. Quando eu descobrir, conto. Enquanto isso, danço.

Egito

E lá no Brasil, Mc Bin Laden resolveu homenagear o Egito. Estou muito orgulhosa (?).

Brasil





x
PS.: Descobri. "Sisi song" é chamada assim porque a música convida todos os egípcios a votarem por um presidente em favor de um país melhor. Viva a revolução! Viva a Sisi!



segunda-feira, 21 de julho de 2014

Let the hunger games begin!

Às vezes estar aqui é como estar num reality show, e o objetivo é testar quantos goodbye's você suporta dar para os que em apenas algumas semanas conseguiram te cativar.
Meu coração fica do tamanho do Vaticano toda vez que me despeço de quem está partindo. Pensar que provavelmente nunca mais verá a pessoa novamente, que o tempo que a vida deu a ambos era no Egito e nada mais. Relembrar os bons momentos, os sorrisos compartilhados, os maus bocados de intercambistas. 
Que breve!

É dureza, mas é uma lição. Acho que ao final não ficamos experts em dizer adeus, cascas grossas. Sempre vai doer, seja para quem for, aqui, no Brasil. A única diferença é que... aqui a gente dá muito mais! De isso tanto se repetir, aprendi a lidar. Sei como é a sensação do abraço final. Sei como é a sensação do virar das costas e ver se afastar. Sei como é a sensação depois de 1 hora, 1 dia. Como é duro, mas depois tudo fica bem. Eles lá, você aqui. Daqui a pouco eu no meu lá, outros ainda aqui. 

Hoje me despedi de 4. Melissa, "Hope to go to Colombia soon! See you there!". Kris, "Hope to go to England soon! See you there!". Covee, "Hope to go to China soon! See you there!". Jastprine, "Hope to go to India soon! See you there!". E Kris e Covee eram os meus melhores amigos aqui. Estou só.

"Or in Brazil, Naiara!". Ou no Brasil, claro. Todo mundo quer ir ao Brasil. Ainda bem que tenho uma casa grande. Todos aqueles que não tiverem medo de gato, cachorro, passarinho e criança são bem-vindos.

Minha casa...

Deu uma saudade de casa hoje. Mas uma saudade. Até da TV Globo que não assisto.
Sempre que ouço Marcelo Camelo a saudade aumenta. Mais 14 dias e eu chego, Rio de Janeiro, família, amigos, gatos, Princesa, inverno, facul. Às vezes sou relapsa e não ligo para vocês, mas tem dias, como hoje, que sou vosso satélite. 

Um beijo doce.