Para quem se pergunta por que eu vim parar aqui
e para os que sabem mas se perguntam se eu estou
trabalhando mesmo ou só me divertindo
Galera, eu estou trabalhando mesmo! E me divertindo!
A razão deu estar no Egito é o meu intercâmbio voluntário pela AIESEC.
AIESEC é a maior instituição de estudantes do mundo. Ela promove intercâmbios sociais e profissionais em prol da troca cultural, desenvolvimento de talentos e espírito de liderança entre os jovens de 18 a 29 anos. O objetivo é ser impactado para impactar o mundo. Ousado. Mas não é que é possível?
Caí no Egito de paraquedas. Nunca sonhei em vir para cá, então eu era sempre pega desprevenida quando alguém exclamava: "Você vai para o Egito? Meu sonho é ir para lá!". Isso aconteceu muitas vezes, e eu sempre rebatia com um "Sério?" meio sem jeito. Comecei a me perguntar por que eu nunca sonhei com esse lugar também...
Paraquedas. Não sabia nada sobre o país, mas só ouvia recomendações boas de quem veio. O projeto estava ali disponível e resolvi arriscar. Que presente! Pousei aqui com 40kg de bagagem e volto mais pesada, cheia de souvenirs e histórias para contar. Expandida. A sensação é que colhi mais do que plantei. Foi por isso que te disse que estou mais feliz do que pinto no lixo. Todas as minhas expectativas foram superadas. Isso não significa que tudo deu certo e que tudo fluiu às mil maravilhas. O projeto não era bem o que eu pensava, o apartamento menos ainda. Nas ruas, poeira, lixo. Chorei como um bebê no início. O que quero dizer é que eu achava que voltaria para casa feliz por ter trabalhado com crianças e conhecido um país novo. Um combo de diversão e fotografias. Mas tem sido mais que isso, muito mais.
Meu projeto se chama Teach to Learn. O objetivo é ensinar inglês para crianças de 5 a 8 anos, assim como passar algo a respeito de cultura brasileira. São seis semanas de projeto, mas comprei por acidente minha passagem de volta para 7 semanas depois. Concluí que poderia reservar a última para passear pelo Egito se papai me desse dinheiro (e ele está dando! Beijo, pai!). O nome da escola onde trabalho é Children's House - Montessory Nursery and Pre-School. Uma casinha charmosa de dois andares, pequena, com 30 alunos, jardim e árvores, a 12 minutos de caminhada da minha casa. Comecei a trabalhar dois dias depois de chegar em Alexandria, e comigo Yen, do Vietnam, e Raveena, da Índia. Yen ficou na turma dos babies, babysitting e fazendo teatro de fantoches em inglês. Raveena ficou responsável por aplicar as atividades Montessory e pelas aulas de zumba. E eu fiquei na turma de inglês, que inclui matemática, ciência e geografia. A que trabalharia mais. Nada mau.
A primeira semana foi de observação, para as crianças se acostumarem com a nossa presença e para aprendermos sobre o
método montessoriano.
Estava animada! Criança é criança em todo lugar, e a minha vontade era de abraçar uma por uma.
Estava encantada! A escola montessori é muito diferente das escolas tradicionais que conheço. Ver as criancinhas, desde os 3 anos de idade, levantando a cadeira para pôr no lugar certo de acordo com a cor, varrendo o chão de sujou, colocando na pia o pratinho, "Miss, tissue", limpando sozinha o nariz que escorre foi surpreendente. A independência, a capacidade de fazer silêncio, o respeito. Abobalhada, só pensava em pedir para meus pais colocarem o meu irmão Arthur numa escola como aquela (Alô, papai! Alô, stepmom! Tem em Niterói!).
E aí a segunda semana começou. Finalmente! Minha animação ainda estava lá, mas foi perdendo potência dia após dia. Fuen! Eu continuava na posição de escanteio, mais observando do que agindo, mais tomando conta do que interagindo. Era a auxiliar. Comecei a ficar entediada e frustrada. Um coágulo de problema.
Tive uma reunião com o coordenador do meu projeto para dar o feedback da segunda semana de trabalho. Expliquei a situação e confiei que ele me ajudaria. A função de coordenador de projeto é essa, ajudar a tornar a minha experiência de trabalho a melhor possível. Ele se reuniu com madame Samar, a diretora da escola, e depois eu mesma me reuni com ela. Éramos, então, 3, pensando numa maneira de potencializar o meu trabalho, não só para mim mas também para benefício das crianças.
Depois disso ganhei mais espaço. Podia conduzir a classe. Memorizei o nome das crianças e elas o meu. Melhorou. E o barco seguiu assim até hoje, meu último dia. Sempre cansativo (6 horas), às vezes excitante, às vezes entediante com a repetição.
Eu vim achando que ia ter mais liberdade com as crianças, e vim equipada! (beijo para a tia Terezinha que me emprestou um bocado de atividades bacanas) Uma mala cheia de tapetes interativos, futebol de pano, sacola mágica, 30 álbuns da copa e mais de mil figurinhas, duas blusas do Brasil como presente, bandeira, granulado para brigadeiro. Sou pisciana, às vezes exagero, sonho alto. Não tive toda a oportunidade que queria porque tive que me adequar à programação da escola, mas de qualquer forma a experiência foi recompensante.
Será que valeu a pena? Vir para um país muito diferente do meu, passando de aeroporto a aeroporto por dois dias até chegar, dividir um apartamento com outras 17 (17 agora!) meninas de diferentes partes do mundo que nunca tinha visto antes na vida, sem saber falar a língua local, sem nenhum amigo ou parente como companhia, gastar milhares de reais, tudo para trabalhar numa escola alternativa para crianças que podem pagar por isso? Com outras milhões passando fome no Quênia e sendo mortas na faixa de Gaza? Valeu, Naiara?
Valeu. Mesmo sendo só crianças, aparentemente pequenas demais para compreender a totalidade das coisas. Mesmo sendo crianças de classe média, como o meu irmão menor. Se o objetivo é impactar a sociedade na qual me disponho a trabalhar, quem melhor do que as próprias crianças para começar a empreitada? É muito mais fácil apresentar coisas novas a elas do que a adultos. Aquela mente maleável como massinha gelada de modelar (não é uma delícia?). Aqueles rostinhos curiosos, tentando entender o porque de uma brasileira, negra, sem veu nos cabelos vir até o Egito dar aula para eles. Absorvendo as diferenças pela convivência, e aprendendo a respeitá-las ao longo das 6 semanas. Tentando entender. Absorvendo. Aprendendo. Tudo aquilo que uma pessoa de 40, 50 anos faz (ou deveria) com mais custo. Crianças, sim.
De classe média? Sim! Aquelas que dispõem das ferramentes para continuar com o processo, fazer dele um círculo vicioso. Cada aluno meu, impactado e expandido com o que eu voluntariamente cedi a ele, no futuro vai dispor (Inshallah!) das ferramentas e oportunidades para impactar e expandir a mente de outras pessoas, tanto da sua própria sociedade quanto de outras mais, se assim desejar. Eu, mulher brasileira de classe média, plantei uma sementinha em quem também vai poder plantar sementinhas um dia, crianças egípcias de classe média. Eu poderia ter sido mais ousada do que fui e ter escolhido um outro país da África mais pobre. Seria muito mais recompensante. Eu veria a diferença na hora, entregando recursos e amor para quem é tão, tão carente de recursos e amor. Mas escolhi algo que não se tratava só de mim, só de recompensa e resultados instantâneos. Escolhi o caminho mais longo, o corredor comprido e sinuoso, meio escuro, meio úmido, às vezes desconfortável, em que você percorre uma maratona antes de avistar a planície, a luz, o horizonte verde. Volto para o Rio de Janeiro em 10 dias, minhas crianças vão continuar em Alexandria. Mas não sou a mesma. Nem eles. Vou continuar minha empreitada em casa, e se a semente deles for regada e crescer, vai dar fruto. Que dá outras sementes. Que dão outros frutos. Que dão outras sementes. Que dão outros frutos...
O meu desejo é que cada criança de quem fui professora seja um indivíduo que saiba lidar com as diferenças, sejam elas quais forem (raciais, étnicas, religiosas, culturais), da melhor maneira possível. Não aquela que suporta, mas a maneira que respeita, ama, e portanto é capaz de dialogar e aprender. Eu respeitei, e eles me respeitaram de volta. Eu amei, e eles me amaram de volta. Dialoguei e aprendi. Eles também. O processo foi iniciado (que alegria fazer parte dele!). No futuro eles vão poder assumir cargos de liderança e serem líderes no completo sentido da palavra, fazendo a diferença na sociedade no seu raio de alcance - grande ou pequeno, não importa. É claro que a criança pobre do Quênia que eu poderia ter prestado trabalho social é capaz de crescer e continuar o meu serviço, impactando a sociedade ao seu redor. Mas os recursos são escassos, senão inexistentes, e a probabilidade é muito menor.
Você enxerga a sementinha ali? Enxerga a roldana se mexendo lentamente? Enxerga com tudo isso a possibilidade de um mundo um pouquinho melhor? Eu enxergo. E por isso não pestanejo quando digo que "sim, o trabalho voluntário com crianças egípcias de classe média valeu a pena". Cada segundo dele: 2.073.600.
Depois da dedicatória no início do texto, meu agradecimento final a Ibrahim Saker. Amigo egípcio que por sua vez está desenvolvendo trabalho no Rio de Janeiro com a AIESEC (dança das cadeiras). Foi ele quem primeiro me contou do valor do trabalho voluntário de qualquer espécie, seja com crianças, seja com pessoas financeiramente estáveis. Agora eu vim, vi e concluí por mim mesma. Obrigada eternamente por me dar um pouquinho da sua força.
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fazendo puzzles |
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dançando (na linha!) |
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being silly in the garden |